Fim de pensão a familiares de militares expulsos reflete medida simbólica e impede benefícios a condenados por conspiração golpista
Proposta de corte de gastos apresenta impacto financeiro reduzido, mas carrega peso simbólico significativo
No contexto do acordo firmado entre os ministérios da Fazenda e da Defesa para a implementação de medidas de austeridade nas Forças Armadas, destaca-se a proposição de extinguir o pagamento de pensões a familiares de militares que tenham sido expulsos da corporação. Embora o impacto financeiro estimado seja modesto, a decisão assume um caráter eminentemente simbólico, visando coibir a manutenção de benefícios a parentes de possíveis condenados por envolvimento em conspirações antidemocráticas.
A medida ganha relevância em um cenário marcado pela investigação de tentativas de golpe de Estado, incluindo planos para assassinar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal.
Atualmente, as regras permitem que, mesmo após condenação e subsequente expulsão do quadro militar, os familiares do ex-integrante continuem a receber remuneração mensal. Dados oficiais indicam que 404 ex-militares se encontram nessa condição, gerando um custo anual de aproximadamente R$ 25 milhões aos cofres públicos. Esses indivíduos, denominados “mortos fictos”, permanecem vivos, mas foram alvo da sanção disciplinar máxima prevista pela legislação militar.
A proposta de alteração legislativa, portanto, tem como objetivo central impedir que eventuais envolvidos em atos de subversão à ordem democrática continuem a beneficiar suas famílias com recursos públicos. Autoridades das Forças Armadas apontam que essa perspectiva de responsabilização simbólica foi determinante para a adoção da medida, considerando que o impacto financeiro direto é classificado como irrelevante.
O inquérito que apura os eventos relacionados à tentativa de golpe investiga a participação de militares de alta patente, incluindo os generais Walter Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil, e Augusto Heleno, ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), além de oficiais como o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Na última terça-feira (19), a Polícia Federal prendeu o general da reserva Mário Fernandes, o tenente-coronel Hélio Ferreira Lima e os majores Rafael Martins de Oliveira e Rodrigo Bezerra de Azevedo. As detenções ocorreram em razão de suspeitas de envolvimento no planejamento de um atentado contra o presidente Lula, o vice-presidente Alckmin e o ministro Alexandre de Moraes.
“Morte ficta”: a manutenção de pensões para familiares de militares expulsos
Por força de legislação, familiares de militares expulsos das Forças Armadas têm assegurado o direito de receber os vencimentos daquele que, embora vivo, é tratado juridicamente como se tivesse falecido – um conceito que ficou conhecido como “morte ficta“.
Atualmente, 404 ex-militares encontram-se enquadrados nessa categoria, sendo a maioria oriunda do Exército (238), seguida pela Força Aérea Brasileira (99) e pela Marinha (67). No total, as três Forças somam o pagamento de pensões a 560 beneficiários, que incluem esposas, companheiras e filhas.
Os dados, obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI) pela organização não governamental Fiquem Sabendo, especializada em promover a transparência pública, evidenciam a continuidade desse benefício, mesmo após a expulsão do militar.
A figura jurídica do “morto ficto” tem sua origem na Lei 3.765, de 1960, que regulamenta as pensões destinadas a integrantes das Forças Armadas. Segundo a legislação, o militar expulso não perde o direito ao benefício, pois parte de sua remuneração, enquanto estava em serviço, foi destinada ao fundo responsável pelo custeio das pensões.
Essa peculiaridade jurídica, contudo, tem sido alvo de debates, sobretudo em cenários onde a expulsão se deu por motivos gravíssimos, como a participação em ações contrárias à ordem democrática. O caso reacende discussões sobre a adequação de dispositivos legais concebidos em outra conjuntura histórica à realidade contemporânea, especialmente no que tange à responsabilidade ética e republicana da administração pública.