Pesquisadores desenvolvem pele artificial 3D com semelhança aprimorada à humana
TECNOLOGIA

Pesquisadores desenvolvem pele artificial 3D com semelhança aprimorada à humana

Modelo in vitro, elaborado por cientistas brasileiros, contém as três camadas do órgão e simula com precisão doenças e lesões, podendo substituir testes em animais em estudos toxicológicos de medicamentos e cosméticos

 

Cientistas brasileiros lograram êxito no desenvolvimento de um modelo de pele artificial por meio da impressão tridimensional (3D), dotado de características notavelmente mais próximas à biologia humana. Denominada Human Skin Equivalent with Hypodermis (HSEH), essa estrutura inovadora possui potencial para ser empregada em investigações direcionadas ao tratamento de patologias e lesões, como feridas e queimaduras, além de ser útil no avanço de fármacos e cosméticos, dispensando a utilização de modelos animais.

A elaboração deste material, que faz uso de células-tronco – células pluripotentes capazes de se diferenciar em uma ampla gama de tipos celulares – e células primárias, cultivadas diretamente a partir de tecidos humanos, foi minuciosamente descrita na renomada revista Communications Biology por pesquisadores do Laboratório Nacional de Biociências (LNBio), vinculado ao Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM). O estudo foi apresentado na quarta-feira, dia 27, durante uma sessão sobre biotecnologia ocorrida na FAPESP Week Spain, em Madri.

O evento, que culminou na quinta-feira, dia 28, na Faculdade de Medicina da Universidade Complutense de Madri (UCM), localizada na região de Moncloa-Aravaca, teve como propósito consolidar os laços entre pesquisadores do Estado de São Paulo e da Espanha, promovendo colaborações no âmbito científico.

“Conseguimos desenvolver um modelo de pele integral, com as três camadas fundamentais: a epiderme, a derme e a hipoderme. Com isso, obtivemos uma réplica do órgão com características que se assemelham de forma impressionante àquelas do ser humano”, afirmou Ana Carolina Migliorini Figueira, pesquisadora do LNBio-CNPEM e coordenadora do projeto, em entrevista à Agência FAPESP.

Segundo Figueira, os modelos de pele tridimensionais têm sido explorados como uma alternativa ao uso de animais em testes de absorção de cosméticos, por exemplo. Contudo, as soluções desenvolvidas até o momento possuem uma limitação significativa: a omissão da hipoderme, a camada mais profunda da pele, cuja função é crucial na regulação de processos biológicos essenciais, como a hidratação e a diferenciação celular.

Essa camada, composta por células adiposas (gordura), desempenha um papel preponderante na fisiologia cutânea, influenciando processos essenciais como a regulação hídrica, o desenvolvimento celular e as respostas imunitárias. Sua presença é, portanto, imprescindível para a criação de modelos de pele que sejam não apenas completos, mas também funcionais.

Os investigadores recorreram a técnicas avançadas de engenharia de tecidos para aprimorar a tecnologia, conseguindo construir um equivalente de pele humana de espessura total, incluindo a hipoderme, com o intuito de estabelecer um ambiente que reproduzisse com maior fidelidade o tecido humano real. Esse aprimoramento possibilita uma adesão, proliferação e diferenciação celular mais eficientes, aproximando ainda mais os modelos do comportamento da pele humana autêntica.

“Este inovador modelo de pele 3D, agora com a camada de hipoderme, oferece uma plataforma in vitro consideravelmente mais precisa para a modelagem de doenças e a condução de estudos toxicológicos”, avaliou Figueira.

 

Pele artificial 3D desenvolvida por pesquisadores brasileiros, podendo ser usada para substituir animais em estudos toxicológicos de medicamentos e cosméticos • Acervo dos pesquisadores

 

“Os resultados dos experimentos que conduzimos demonstram que a hipoderme é absolutamente crucial para modular a expressão de uma vasta gama de genes essenciais para a funcionalidade da pele, incluindo aqueles relacionados à proteção e à regeneração tecidual”, afirmou.

Pele diabética

Os pesquisadores empregaram a técnica de bioimpressão tridimensional (3D) para criar um modelo de pele composto por colágeno, o qual atua como matriz para a interação celular.

O Laboratório Nacional de Biociências (LNBio) produzirá essa pele para seus próprios estudos, mas também poderá fabricar o material para instituições de pesquisa parceiras. O objetivo é contribuir para o desenvolvimento de enxertos que auxiliem no tratamento de ferimentos e queimaduras.

Por meio de um projeto financiado pela FAPESP, no âmbito de um convênio com a Netherlands Organisation for Scientific Research (NWO), os cientistas brasileiros planejam, a partir dessa pele 3D mais realista, criar um modelo de pele diabética com feridas crônicas. O intuito é, assim, desenvolver um curativo especializado para essa condição.

A proposta é que os pesquisadores do LNBio consigam vascularizar o modelo de pele humana in vitro, em três camadas, criando uma versão que replique as características da pele de indivíduos com diabetes. Esses pacientes frequentemente enfrentam ferimentos de difícil cicatrização, com risco elevado de amputação.

Simultaneamente, um grupo de cientistas neerlandeses, vinculados à Radboud University Medical Center, está dedicado ao desenvolvimento de novos biomateriais, com o objetivo de criar um curativo inovador para o tratamento de feridas diabéticas.

“Nosso objetivo é, após a produção do novo curativo, testá-lo tanto em modelos animais quanto na pele diabética humana que desenvolveremos”, explicou Figueira.

 

Biossensores para Monitoramento

Um grupo de pesquisadores da Universidade Federal do ABC (UFABC) propõe o uso de ferramentas da biologia sintética para a construção de biossensores baseados em circuitos genéticos, como DNA, RNA e proteínas, visando ao monitoramento da contaminação de amostras ambientais, como água, por metais.

Integrando conhecimentos avançados de biologia e engenharia, os cientistas almejam incorporar novas funções a organismos naturais, por meio do desenvolvimento de sequências genéticas inovadoras.

“Existem moléculas naturais de RNA e proteínas capazes de interagir, por exemplo, com mercúrio e manganês. A proposta é desenhar esses circuitos genéticos, especialmente em bactérias, para monitorar, em tempo real e de forma mais econômica, a contaminação de amostras de água por esses metais, sem a necessidade de equipamentos robustos e dispendiosos”, explicou Milca Rachel da Costa Ribeiro Lins, professora da UFABC e coordenadora do projeto, em entrevista à Agência FAPESP.

A área de biotecnologia tem se mostrado estratégica para a Espanha, recebendo significativos investimentos da Universidade Complutense de Madri (UCM) nos últimos anos, conforme destacaram pesquisadores espanhóis presentes no evento.

“Os Estados Unidos seguem como líderes globais no mercado de biotecnologia. Contudo, países da Europa, Ásia, América Central e Oriente Médio apresentam um crescimento substancial. A Espanha, por exemplo, possui diversas vantagens, uma delas é o fato de haver cerca de 4,5 mil empresas atuando nessa área”, afirmou Maria Isabel de la Riesco, professora da UCM.

As empresas de biotecnologia na Espanha empregam um número superior de pesquisadores em comparação a outros setores industriais, e os salários nesse campo são notavelmente mais elevados que a média nacional, ressaltou a pesquisadora.

“A Espanha detém uma participação de 2,46% na publicação global de artigos relacionados à biotecnologia, com suas citações sendo 21% mais frequentes que a média mundial. Cerca de 60% da produção científica em biotecnologia no país ocorre em colaboração internacional”, afirmou Riesco.

Qual Sua Reação?

Alegre
0
Feliz
0
Amando
0
Normal
0
Triste
0

You may also like

More in:TECNOLOGIA

Leave a reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *