Cientistas anunciam descoberta de recurso singular contra a radiação
Pesquisadores desvendam antioxidante com potencial para resguardar a saúde humana
Uma bactéria notável, denominada Deinococcus radiodurans e popularmente apelidada de “Conan, a Bactéria” devido à sua extraordinária capacidade de tolerar condições extremas, demonstra resistência a níveis de radiação 28.000 vezes superiores aos que seriam letais para o ser humano. O segredo de sua invulnerabilidade reside em um antioxidante altamente eficaz.
Recentemente, cientistas elucidaram o mecanismo de ação desse antioxidante, vislumbrando sua aplicação potencial na preservação da saúde humana, tanto em nosso planeta quanto em futuros cenários de exploração espacial.
A estrutura do antioxidante é composta por um conjunto de moléculas elementares denominadas metabólitos, abrangendo manganês, fosfato e um pequeno peptídeo – uma molécula composta por aminoácidos.
Em sinergia, esse trio molecular manifesta uma eficácia superior na proteção contra radiação em comparação com a combinação de manganês e apenas um dos outros componentes, segundo os resultados de uma nova pesquisa publicada na última segunda-feira (9) nos Proceedings of the National Academy of Sciences.
Os avanços delineados por essa descoberta abrem perspectivas promissoras para proteger astronautas das intensas doses de radiação cósmica em futuras missões de exploração do espaço profundo dentro do sistema solar, conforme expuseram os autores do estudo.
“Há muito se reconhece que a combinação de íons de manganês com fosfato constitui um antioxidante potente, mas a identificação e compreensão do efeito singular conferido pela adição do terceiro componente representam um avanço significativo. Este estudo forneceu a chave para decifrar a razão pela qual essa combinação se revela um radioprotetor tão formidável – e de elevado potencial”, declarou Brian Hoffman, coautor do estudo, professor Charles E. e Emma H. Morrison de Química, bem como professor de Biociências Moleculares na Faculdade de Artes e Ciências Weinberg da Universidade Northwestern, em um comunicado à imprensa.
Descoberta do segredo de um antioxidante
Pesquisas anteriores revelaram que a Deinococcus radiodurans, amplamente reconhecida como a forma de vida mais resistente à radiação segundo o Guinness World Records, apresenta uma capacidade extraordinária de sobreviver em condições extremas. Essa bactéria foi capaz de resistir por três anos fora da Estação Espacial Internacional, enfrentando os rigores do ambiente espacial. Adicionalmente, a Deinococcus demonstra resistência notável a ácido, baixas temperaturas e desidratação.
Os professores Brian Hoffman, da Universidade Northwestern, e Michaely Daly, da Universidade de Serviços Uniformizados de Ciências da Saúde, investigaram amplamente a impressionante capacidade de sobrevivência dessa bactéria. Um relatório de outubro de 2022, coautorado pela dupla em colaboração com outros pesquisadores, sugeriu que, caso a Deinococcus tenha existido em Marte, seus microrganismos congelados poderiam ter perdurado por milhões de anos.
Nesse estudo anterior, a equipe quantificou a presença de antioxidantes de manganês nas células da bactéria, identificando uma relação direta entre a quantidade desses compostos e a resistência do microrganismo à radiação. Quanto maior a concentração de antioxidantes de manganês, mais elevada era a capacidade de sobrevivência.
A Deinococcus radiodurans, quando submetida a condições de desidratação e congelamento, pode tolerar impressionantes 140.000 grays — unidades de radiação ionizante, como raios X e gama —, um valor 28.000 vezes superior à dose letal para humanos.
Na pesquisa mais recente, Hoffman, Daly e seus colegas utilizaram um antioxidante sintético denominado MDP (protetor derivado de melatonina), inspirado na biologia da Deinococcus radiodurans e projetado por Daly. Esse antioxidante tem sido empregado em vacinas multivalentes inativadas por radiação, cuja produção envolve o uso de radiação para neutralizar agentes patogênicos, como a clamídia.
Daly, renomado pesquisador que dedica anos ao estudo da Deinococcus radiodurans, integra também o prestigiado Comitê de Proteção Planetária das Academias Nacionais.
No estudo em questão, a equipe investigou como os componentes ativos do MDP (protetor derivado de melatonina) — entre eles manganês, fosfato e um peptídeo denominado DP1 — protegem células e proteínas contra os efeitos nocivos da radiação.
Quando o peptídeo e o fosfato interagem com o manganês, formam um complexo ternário de notável eficácia, cuja capacidade de radioproteção se mostrou excepcional. Esse “triplo” conjunto de metabólitos no MDP foi descrito por Hoffman como um verdadeiro “molho secreto”.
Tetyana Milojevic, especialista em exobiologia e presidente da Universidade de Orléans, França, elogiou o estudo, destacando os avanços que ele traz para o entendimento da criação de escudos radioprotetores por meio de metabólitos. Embora não tenha participado da pesquisa, Milojevic afirmou:
“Esse novo conhecimento sobre o MDP pode abrir caminho para o desenvolvimento de antioxidantes à base de manganês ainda mais eficazes, com aplicações em saúde, indústrias, defesa e exploração espacial.”
Daly enfatizou que astronautas em missões de exploração no espaço profundo enfrentariam altos níveis de radiação, principalmente os raios cósmicos, partículas altamente energéticas que cruzam o cosmos.
“O MDP, um radioprotetor simples, acessível, não tóxico e de elevada eficiência, poderia ser administrado via oral para minimizar os perigos associados à radiação espacial,” explicou Daly.
No contexto terrestre, esse antioxidante oferece possibilidades de proteção contra exposições acidentais a radiação. A equipe agora pretende explorar se o complexo ternário observado na Deinococcus também está presente em outros organismos e, em caso afirmativo, verificar se ele confere resistência à radiação a essas formas de vida, conforme apontou Hoffman.