Retrospectiva Ambiental 2024: Avanços Incontornáveis e Retrocessos Alarmantes
Catástrofes Climáticas Sem Par, Legislação Avançada e Retrocessos em Projetos e Financiamento Climático
Em 2024, a tragédia climática que assolou o Rio Grande do Sul tornou-se o evento ambiental mais expressivo a afetar o país. Infelizmente, tal evento não se mostrou isolado. As mudanças climáticas aprofundaram-se com severidade, levando a uma seca inédita que se estendeu do Centro-Oeste ao Norte do Brasil, exaurindo os rios amazônicos e desferindo impactos severos sobre a região.
Queimadas de proporções devastadoras proliferaram desde a Amazônia, alcançando o Centro-Oeste e estendendo-se até o estado de São Paulo, formando um vasto e devastador arco de destruição que dizimou o Pantanal e suas riquezas. Nuvens de partículas finas e monóxido de carbono tornaram-se um flagelo nas grandes metrópoles do Sudeste, com recordes de poluição do ar sendo quebrados em meio ao colapso ambiental.
No entanto, diante deste cenário de degradação sem precedentes, persistem forças que visam deslegitimar a transição energética, promover o uso contínuo de combustíveis fósseis e relegar as questões ambientais a um segundo plano. Há quem se comporte como se os fenômenos de enchentes catastróficas, secas prolongadas e nuvens de fumaça sobre o território nacional fossem simples elementos de um enredo fictício, pertencentes a alguma obra cinematográfica distópica.
Contudo, essa narrativa lúgubre, com sua urgência inquestionável, dificilmente seria aceita como crível em uma produção cinematográfica de qualidade, tal qual os filmes distópicos como Mad Max, que, apesar de explorarem mundos pós-apocalípticos, jamais se mostrariam suficientemente verossímeis para descrever o cenário atual. A ficção, com seus limites construtivos, tem falhas que a realidade ambiental não pode mais permitir.
Avanços
Após um extenso processo de tramitação, o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE) foi finalmente aprovado no final de 2024, representando um marco significativo no cenário ambiental. Este sistema, batizado como o “Mercado de Créditos de Carbono”, apresenta o potencial de atrair investimentos substanciais para a recuperação florestal, a transição energética e programas eficazes de redução de emissões.
Em outubro de 2024, o governo sancionou a Lei do Combustível do Futuro, que amplia a proporção de biocombustíveis misturados à gasolina e ao diesel, oriundos de fontes renováveis. Além disso, criou-se o programa de Combustível Sustentável de Aviação, alicerçado em biocombustíveis sustentáveis, oferecendo uma alternativa promissora para a descarbonização do setor aéreo.
Avançou-se também com a implementação de um marco regulatório para a captura e armazenamento geológico de dióxido de carbono — como em poços de petróleo desativados — a fim de reduzir substancialmente as emissões de CO₂ e mitigar os efeitos das mudanças climáticas.
Em paralelo, foi lançada a Plataforma Brasil de Investimento Climático e Transformação Ecológica (BIP), destinada a atrair investimentos tanto nacionais quanto internacionais, para projetos de redução de emissões que sejam validados pelo BNDES, reforçando a cooperação entre o setor público e o privado.
No campo agropecuário, surgiu a Plataforma Agro Brasil + Sustentável, cuja função é reunir dados e informações sobre a produção agropecuária nacional, incluindo certificações ambientais, com o objetivo de apoiar os produtores no cumprimento de exigências socioambientais tanto internas quanto externas. Esse esforço tem potencial para aliviar pressões protecionistas internacionais, sobretudo à medida que o Brasil se esforça para fortalecer sua competitividade sustentável no comércio global.
Um dos maiores êxitos do Brasil foi, ao sediar a cúpula do G20, conseguir que todos os participantes assinassem uma declaração multitemática, que incluiu tópicos ambientais sensíveis e frequentemente impopulares. A capacidade de articulação e negociação da chancelaria brasileira se demonstrou crucial, e este ativo se mostrará ainda mais fundamental para a COP30, na qual questões que ficaram pendentes na COP29 precisarão ser resolvidas, sob o desafio de avançar na agenda climática global.
Retrocessos
A ausência de avanços concretos no financiamento climático pode ser categorizada como um retrocesso notável. Com a intensificação e a aceleração dos eventos climáticos extremos, o não-progresso em áreas vitais equivale, inevitavelmente, ao retrocesso. A COP29 não conseguiu alcançar um acordo satisfatório que responsabilizasse os países mais desenvolvidos, cujas emissões históricas de gases de efeito estufa foram as principais impulsionadoras da crise climática, para que esses países assumissem a responsabilidade pela mitigação desse passivo ambiental. Essa questão ficou pendente e foi relegada para ser tratada na convenção climática de 2025, a ser realizada no Pará. O processo, por seu caráter intrincado e complexo, demandará esforço significativo do Itamaraty ao longo do próximo ano para a superação das divergências e a busca de um consenso.
Embora o índice de desmatamento na Amazônia tenha diminuído, o mesmo não pode ser dito do Cerrado, onde os números cresceram, e o Pantanal, flagelado por incêndios devastadores, continua a perder extensões de água. Estima-se que, nas próximas décadas, esse bioma poderá enfrentar sua extinção iminente.
Além disso, o Brasil decidiu importar gás da Argentina, obtido por meio da técnica de fracking ou fraturamento hidráulico, processo que causa danos ambientais profundos nas áreas de extração. Esse movimento revela uma conivência com práticas altamente prejudiciais ao meio ambiente, especialmente quando o país dispõe de gás abundante em campos petrolíferos próprios, cuja exploração é significativamente menos danosa.
O Congresso aprovou, ainda, a lei que regula as plantas eólicas offshore, mas introduziu cláusulas controversas — denominadas jabutis — que favorecem as usinas termoelétricas baseadas em combustíveis fósseis, fonte de geração de energia mais cara e, em termos ambientais, menos sustentável. Esse tipo de decisão reflete uma transição energética disfuncional, marcada por contradições internas.
Regionalizando as tratativas ambientais, tornou-se evidente que em muitas campanhas eleitorais, o tema das mudanças climáticas praticamente não foi abordado. Enchentes, alagamentos, ilhas de calor e outros fenômenos são tratados como parte de uma narrativa ficcional, distanciando-se da realidade tangível e urgente da crise climática.
Assim, apesar dos avanços relevantes, não se pode ignorar a persistência de iniciativas que desconsideram a gravidade da crise climática, ameaçando os esforços globais e nacionais para mitigação e adaptação. O cenário exige vigilância constante e uma postura crítica diante das políticas que ainda retrocedem em face do imperativo ambiental.