Ucrânia adentra futuro nebuloso diante de ofensiva russa recorde com drones
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Ucrânia adentra futuro nebuloso diante de ofensiva russa recorde com drones

Desde o dia 1º de setembro, a capital ucraniana, Kiev, viu-se praticamente sem tréguas ante os ataques incessantes perpetrados por drones russos, com uma única exceção em 14 de outubro.

No desenrolar de cada noite, a maioria dos seus 4,5 milhões de habitantes é subitamente arrancada do sono ao som das sirenes, forçada a procurar refúgio em abrigos improvisados ou nos próprios banheiros de suas residências. Apenas na primeira semana de novembro, o soar dessas sirenes permaneceu ininterrupto durante 43 horas, uma sombria evidência da constância e da intensidade dos ataques.

Essas incursões noturnas não representam apenas uma série de ofensivas táticas, mas simbolizam a capacidade da Rússia de sustentar a guerra em um ritmo intenso, exatamente no momento em que a Ucrânia enfrenta uma profunda incerteza quanto à continuidade do apoio dos Estados Unidos e da Europa Ocidental.

Além de Kiev, as cidades de Kharkiv, Zaporizhzhia e Odesa também têm sido alvo recorrente de ataques de drones e mísseis nas semanas recentes, numa aparente tentativa de minar a determinação do povo ucraniano e enfraquecer a sua resiliência civil.

Na noite de sábado, 9 de novembro, as defesas aéreas da Ucrânia identificaram um número recorde de 145 drones Shahed, configurando uma escalada alarmante nos ataques contra centros urbanos. Tal intensificação coincide com o avanço das forças russas na região de Donetsk, enquanto as forças ucranianas, fragilizadas pela escassez de efetivo, enfrentam um fardo cada vez mais pesado nas linhas de combate.

 

Com a intensidade crescente dos ataques de drones russos em Kiev, Victoria Kovalchuk e seu filho de 6 anos, Teo, passaram quase todas as noites dos últimos 2 meses no abrigo de sua casa ou no banheiro. • Acervo Pessoal/Victoria Kovalchuk

 

Os impactos econômicos também são notórios. Um indivíduo, que se apresentou sob o nome de Maksym, relatou que destroços resultantes dos ataques perfuraram o telhado de seu restaurante na semana passada, ocasionando danos estimados em cerca de 10 mil dólares americanos. Apesar das adversidades, Maksym afirmou com resoluta determinação: “Restauraremos tudo por nossa conta e continuaremos a operar conforme temos feito até o momento.”

Entretanto, os alarmes, por si só, impõem um transtorno irreparável ao cotidiano da cidade. As pontes são temporariamente fechadas, o transporte público interrompido e, assim, as duas metades de Kiev, situadas às margens do rio Dnipro, tornam-se, de fato, isoladas, dificultando a mobilidade e a circulação de pessoas e bens.

Konstantin Usov, vice-prefeito da capital ucraniana, descreveu o impacto das ofensivas com uma assertividade preocupante: “Durante os ataques, a cidade paralisa… Esse fenômeno, por si só, ocasiona atrasos substanciais no funcionamento da economia local.” A interrupção dos fluxos urbanos e comerciais, portanto, não se resume a um mero desconforto, mas se configura como um obstáculo sério ao ritmo da vida econômica e social da capital.

Muitas crianças, em razão dos alertas constantes, ficam privadas de frequentar as aulas, conforme relatou Usov, sublinhando a dimensão do impacto na rotina cotidiana da população.

Ademais, em uma demonstração de compromisso cívico inabalável, diversas baterias de defesa aérea são operadas por voluntários provenientes de diferentes esferas da sociedade, incluindo figuras de destaque como Yuriy Chumak, um dos juízes da Suprema Corte da Ucrânia.

Chumak revelou que as unidades de defesa territorial são compostas por uma gama diversificada de cidadãos, desde membros do parlamento até um cantor de ópera e um apresentador de televisão, destacando a mobilização de toda uma nação em tempos de crise.

“Estamos comprometidos com essa tarefa há mais de dois anos”, afirmou Chumak, enfatizando a persistência e a dedicação de todos os envolvidos. Contudo, ele reconheceu que a intensidade dos ataques com drones atingiu níveis alarmantes nos últimos dois a três meses, o que tem exacerbado ainda mais os desafios enfrentados pela defesa ucraniana.

 

Yuriy Chumak posicionado nos telhados de Kiev, equipado com metralhadoras para abater drones • Acervo Pessoal/Yuriy Chumak

 

O impacto dos ataques não se limita às infraestruturas da cidade, mas também atinge o cotidiano das pessoas de formas inimagináveis. Konstantin Usov, em sua observação, revelou que muitas crianças estão sendo privadas de suas aulas durante os períodos de alerta, uma realidade que transtorna a educação e a rotina dos lares ucranianos.

No entanto, é digno de nota que muitas das baterias de defesa aérea estão sob a coordenação de voluntários provenientes de diversas esferas da sociedade, entre eles figuras tão proeminentes quanto Yuriy Chumak, um dos juízes da Suprema Corte da Ucrânia. Chumak afirmou que as unidades de defesa territorial incluem membros do parlamento, um cantor de ópera e até mesmo um apresentador de TV, ressaltando o caráter unificado e patriótico da resistência ucraniana. “Fazemos isso há mais de dois anos”, afirmou, observando que, embora a intensidade dos ataques de drones tenha permanecido constante, a agressividade desses ataques alcançou níveis alarmantes nos últimos dois a três meses.

No tocante às táticas utilizadas, Chumak explicou que os sistemas de defesa empregam equipamento de tecnologia relativamente simples – metralhadoras posicionadas nos telhados de oito edifícios altos. “Os drones voavam baixo, então era realista e econômico derrubá-los com uma metralhadora”, relatou. A vigilância incessante durante a noite, com a constante ameaça de novos ataques, é uma rotina que se tornou parte do cotidiano, com Chumak ressaltando a frequência das incursões: “Estamos de serviço o tempo todo. Há ataques todos os dias agora.”

Embora os ataques com drones pareçam, em sua essência, mais projetados para incutir medo do que para causar um número elevado de vítimas, as tragédias humanas não são raras. Nas últimas semanas, várias pessoas perderam a vida, como foi o caso de Mariya Troyanivska, uma jovem de 15 anos, descrita por colegas de escola como uma inspiração, uma alma cheia de vida e alegria, que cativava a todos ao seu redor.

O Instituto Internacional de Sociologia de Kiev realiza pesquisas periódicas para avaliar o apoio da população à continuidade da resistência ucraniana. No entanto, os resultados dessas sondagens indicam uma leve queda no apoio: enquanto 73% dos entrevistados defendiam, em fevereiro, a continuidade da luta a qualquer custo, esse número recuou para 63% no mês passado, refletindo, talvez, um crescente cansaço e uma incerteza generalizada quanto ao futuro da nação diante de uma guerra implacável.

 

Linhas de Frente ‘Desafiadoras’

Tal percepção, que permeia a opinião pública, é provavelmente alimentada pelas notícias que emanam das linhas de frente, onde os ataques russos continuam a minar, de forma progressiva, as defesas ucranianas, com destaque para as imediações de Pokrovsk, importante polo estratégico na região de Donetsk.

O comandante-em-chefe das forças armadas da Ucrânia, Oleksander Syrskyi, declarou no último sábado que “a situação permanece desafiadora e tende a se intensificar”. Ele ressaltou que, aproveitando sua superioridade numérica, as forças russas persistem em suas ofensivas, concentrando seus principais esforços nas direções de Pokrovsk e Kurakhove, áreas que figuram entre os pontos mais críticos do confronto.

Em uma análise detalhada após sua visita de duas semanas à Ucrânia no mês anterior, o especialista Konrad Muzyka, da Rochan Consulting, indicou que o principal obstáculo enfrentado pelas tropas ucranianas é a integração eficaz das forças recém-mobilizadas. Muzyka enfatizou, em uma postagem em sua conta no X, que a incursão ucraniana na região russa de Kursk acabou esticando ainda mais as já limitadas capacidades do exército ucraniano.

Em resposta a essa pressão constante, as forças ucranianas têm empregado uma gama diversificada de drones de combate, cujas incursões têm causado consideráveis perdas às forças russas. Segundo o comandante Syrskyi, mais de 52 mil alvos inimigos foram destruídos ou danificados exclusivamente por drones no mês de outubro, evidenciando a crescente dependência e eficácia desses dispositivos no cenário de guerra.

No entanto, como salientou Muzyka, os drones, embora eficazes, não conseguem mitigar a grave escassez de infantaria que a Ucrânia enfrenta. Embora tenha sido promulgada uma lei no início deste ano com o objetivo de agilizar a mobilização, ele aponta que “a presença das unidades e dos soldados recém-mobilizados é praticamente imperceptível”. Esse déficit de pessoal tem gerado uma situação ainda mais alarmante, onde as forças ucranianas não conseguem apenas acompanhar a reposição de suas perdas, mas também enfrentam uma drástica diminuição do efetivo devido ao aumento da taxa de mortalidade, exacerbada pela queda do moral das tropas.

Muzyka, em sua reflexão sobre a conjuntura atual, mencionou que “temos uma situação em que os ucranianos não só não conseguem repor suas perdas de maneira eficiente, mas também perdem soldados a um ritmo cada vez mais acelerado devido ao desgaste psicológico e à diminuição da moral”, declarou no X. O cenário descrito por ele reflete uma crescente pressão sobre as forças ucranianas, que enfrentam dificuldades em manter sua coesão e força de combate no front.

As forças russas, por sua vez, demonstraram uma habilidade crescente em explorar as vulnerabilidades na linha de frente, conseguindo, com precisão, destruir as defesas ucranianas em um raio de 10 km ao redor de Pokrovsk. Essa nova tática russa evidencia não apenas a superioridade numérica, mas também a adaptação estratégica diante de um campo de batalha cada vez mais complexo.

Em outras regiões da linha de frente, os ucranianos continuam em uma postura defensiva, com analistas especulando sobre um possível avanço russo no sul do país. O único avanço significativo para a Ucrânia, até o momento, ocorreu em território russo, com a audaciosa incursão em agosto na região de Kursk, um movimento estratégico que, embora simbolicamente importante, não altera a dinâmica geral do conflito.

Esse panorama de frustração e desgaste tem gerado um clima de crescente pessimismo entre os aliados da Ucrânia, que, em conversas mais reservadas, têm enfatizado menos a possibilidade de Kiev prevalecer militarmente no campo de batalha, e mais a necessidade de a Ucrânia manter território suficiente para, eventualmente, forçar o Kremlin a entrar em negociações. A virulência da guerra, combinada com a escassez de recursos humanos e materiais, tem minado as perspectivas de uma vitória decisiva, levando os aliados a reconsiderarem suas estratégias de apoio e engajamento.

O Secretário de Defesa dos Estados Unidos, Lloyd Austin, sugeriu, de maneira inequívoca, que nenhuma capacidade isolada será capaz de alterar o curso da guerra. Em suas palavras, “nenhuma tecnologia ou sistema isolado mudará a maré. O que realmente importa são os efeitos combinados das capacidades militares da Ucrânia — e manter o foco no que efetivamente funciona”. Tal declaração reflete a percepção de que, por mais sofisticados que sejam os recursos à disposição da Ucrânia, a verdadeira chave para reverter o cenário de guerra repousa na sinergia entre diferentes aspectos da estratégia militar, e não em soluções unilaterais ou espetaculares.

Em consonância com esse pensamento, Rym Montaz, do Fundo Carnegie para a Paz Internacional, sugere que está emergindo um “consenso crescente e silencioso” entre os observadores internacionais de que as negociações, que inevitavelmente envolverão a aceitação de uma perda temporária de soberania sobre determinados territórios, são a única via plausível para pôr fim ao conflito. Contudo, Montaz também aponta que “Kiev está em um dos seus pontos mais frágeis desde fevereiro de 2022, e a perspectiva de aceitar tal negociação é um campo minado político” para o presidente Zelensky, dado o risco de desestabilizar ainda mais o apoio interno à sua liderança.

A definição de “vitória”, conforme proposta pelo governo ucraniano, permanece clara: a expulsão das forças russas de todo o território nacional. No entanto, essa meta tem sido amplamente considerada como inatingível, especialmente diante da conjuntura atual e das dificuldades substanciais enfrentadas pelas forças ucranianas. O avanço militar parece ter atingido um impasse, e a questão agora se reflete em um debate internacional crescente sobre alternativas diplomáticas.

No contexto das relações internacionais, Richard Haass, em um recente artigo na *Foreign Affairs*, sublinha a necessidade de Washington confrontar a dura realidade da guerra e buscar uma resolução que leve em consideração um resultado mais pragmático e plausível. Haass observa que “não há nenhuma arma revolucionária ou estratégia milagrosa que permita à Ucrânia defender simultaneamente o que já controla e libertar o que ainda se encontra sob ocupação russa”. A análise de Haass sugere que a guerra, em sua forma atual, está cada vez mais próxima de um impasse, e a busca por soluções diplomáticas se torna, a cada dia, uma necessidade premente.

As autoridades ucranianas têm se mostrado resilientes, projetando uma fachada de coragem diante de uma perspectiva que se desenha cada vez mais sombria. O Ministro das Relações Exteriores, Andrii Sybiha, manifestou com firmeza sua convicção, afirmando no último sábado: “Estou convencido de que estamos todos unidos pelo objetivo de alcançar uma paz justa para a Ucrânia e parar a agressão russa… Estamos falando de uma paz justa, não de apaziguamento”. Tal declaração reflete a determinação ucraniana em buscar uma resolução que preserve a integridade territorial e a soberania nacional, rejeitando qualquer solução que signifique concessões unilaterais ou a perpetuação da ocupação.

Entretanto, o caminho que possa levar a qualquer forma de negociação continua, para dizer o mínimo, envolto em obscuridade. O Kremlin mantém, de forma reiterada, que seus objetivos na Ucrânia permanecem imutáveis, a saber, a anexação de quatro regiões chave do leste e do sul da Ucrânia. Neste momento, as forças russas já controlam quase toda a região de Luhansk, bem como partes substanciais de Donetsk, Zaporizhzhia e Kherson, o que representa cerca de 20% do território ucraniano.

A dificuldade de uma eventual negociação é ainda mais acentuada pela necessidade da Ucrânia de restabelecer sua posição no campo de batalha antes de qualquer discussão. Conforme observa o analista Konrad Muzyka, “Se a Ucrânia quiser persuadir a Rússia a participar das negociações de paz, ela deve primeiro estabilizar a frente e reconstruir suas forças o suficiente para conduzir ofensivas”. Isso implica que, antes de buscar uma resolução diplomática, a Ucrânia precisará reforçar significativamente sua capacidade militar e garantir que tenha os meios necessários para impor uma mudança significativa nas condições de combate.

A conversa sobre uma possível resolução do conflito ucraniano tem se intensificado, especialmente após o triunfo eleitoral de Donald Trump, que, durante sua campanha, afirmou, de maneira assertiva, que poderia pôr fim à guerra em 24 horas. Em setembro, Trump declarou: “Acho que é do melhor interesse dos EUA acabar com essa guerra e simplesmente fazê-la”, uma posição que ressoou entre seus seguidores e gerou debates acalorados sobre as implicações dessa abordagem.

Uma das opções mais discutidas, defendida por seu vice-presidente eleito, JD Vance, é o congelamento do conflito nas linhas atuais, implementando uma zona desmilitarizada fortemente protegida para deter futuras agressões russas. No entanto, essa proposta, com uma linha de frente mal definida e se estendendo por centenas de quilômetros, parece uma tarefa colossal — e possivelmente impossível. A criação de tal zona desmilitarizada exigiria uma vigilância constante e o risco de novas escaladas sempre presente.

Além disso, essa proposta recompensaria o Kremlin com o controle dos territórios já tomados, consolidando a ocupação russa. Moscou, em troca, demandaria garantias da neutralidade da Ucrânia, ou ao menos a suspensão indefinida de sua tentativa de adesão à OTAN. Tal concessão poderia ser vista como uma capitulação estratégica, oferecendo à Rússia uma vitória diplomática, ao mesmo tempo em que manteria a Ucrânia em um estado de vulnerabilidade contínua.

Para o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, uma oferta dessa natureza seria inconcebível sem garantias de segurança a longo prazo para a Ucrânia. Após os sacrifícios incessantes ao longo dos últimos 1.000 dias de conflito, aceitar um acordo dessa magnitude seria praticamente impossível, não só para Zelensky, mas também para grande parte da população ucraniana, cujos danos e perdas já são profundos demais para que uma solução que pareça uma concessão seja aceita sem uma garantia real de proteção.

Em um tom resoluto, Yuriy Chumak, juiz da Suprema Corte da Ucrânia, reiterou que “nosso humor é patriótico, não mudou, estamos prontos para ir até o fim”. Essas palavras refletem a determinação inabalável do povo ucraniano e de suas lideranças em resistir até o último momento.

Contudo, embora o espírito de resistência continue forte, o destino da guerra, com suas dinâmicas imprevistas e suas incertezas geopolíticas, parece estar em um ponto de inflexão, e as escolhas futuras podem reconfigurar o cenário do conflito de maneiras inesperadas e complexas.

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